PREÂMBULO

Deus quis fazer de Sintra um verdadeiro paraíso enquanto o homem parece empenhado em transformá-lo num inferno. À magia, ao misticismo, ao mistério, ao romantismo e à história gloriosa de Sintra contrapõe-se actualmente a incompetência, o desinteresse, o desleixo, o desrespeito, a ganância e o oportunismo de quem tem por missão defender esta terra única e maravilhosa que Lorde Byron um dia designou como um Éden Glorioso. Celebrada por grandes vultos da cultura mundial do passado, Sintra não pode ser agora desrespeitada pelos medíocres. O futuro de Sintra só pode ser projectado com um total e rigoroso respeito pelo seu passado e pelas sua características únicas. Sintra não é uma terra qualquer e por isso mesmo não pode ser governado por uma gente qualquer. Só os sintrenses por nascimento ou por adopção, podem defender convenientemente este pedaço de paraíso que Deus nos concedeu. Para servir Sintra é preciso amá-la, senti-la, e quem melhor que os sintrenses para o fazer?

A ruína alastra um pouco por toda a parte, as fontes calaram-se e já não nos embalam com o seu canto refrescante. É imperioso reverter esta situação. Eu sei que há sintrenses bem mais competentes do que eu para lutar por Sintra. Há muito que venho lutando dentro das fracas possibilidades de que disponho, mas nem a modéstia dos meus argumentos nem o brilhantismo dos argumentos de quem sabe e pode mais do que eu, têm merecido a atenção dos responsáveis autárquicos competentes. Só nos resta continuar fazer ouvir a nossa voz, os nossos protestos e a s nossas sugestões. Todos não somos demais para defender a nossa SINTRA.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

QUANDO AS FONTES SE CALAM

QUANDO AS FONTES SE CALAM

A água é uma das muitas riquezas que Sintra sempre teve para oferecer a moradores e visitantes. Água pura, fresca e cristalina que para além de matar a sede aos sequiosos ainda embala com o seu sussurrar constante o romantismo e o romance que se adivinham e respiram em cada cantinho deste pedaço de paraíso, este Éden terreno que Deus fez questão de oferecer para usufruto do homem e para felicidade de todos aqueles que tiveram o privilégio de aqui nascer.
Em tempos, quando, com menos idade, com mais saúde e outra disposição me dedicava mais empenhadamente à fotografia, fiz um roteiro fotográfico que intitulei “Sintra - Na Rota da Água”. Calcorreei ruas e becos, percorri trilhos, trepei rochedos e pulei ravinas sempre com os ouvidos bem atentos ao canto das águas. Explorei recantos para mim até então desconhecidos, descobri e fotografei fontes, chafarizes, cascatas, riachos e lagoas e descobri a riqueza das águas de Sintra, uma riqueza bem mais valiosa do que aquela que eu pensei ir encontrar. Sabia que havia muita e boa água em Sintra mas ignorava que fosse tanta e rodeada de tanta beleza e tanta história.
Hoje é com tristeza, e com alguma revolta, que passo por algumas das nossas fontes mais emblemáticas e só “ouço” o silêncio. Um silêncio que dói. Das bicas, de onde outrora jorrava  água em abundância não corre agora uma gota que seja. As fontes calaram-se. Perderam a “voz”. Essas fontes, para além de não dessedentarem ninguém deixaram também de embalar o romance. Estão secas e degradadas e se nada for feito caminham para o fim.
Muitas das fontes sintrense, por muito modestas que algumas delas sejam guardam uma história que a maioria dos sintrenses desconhece. Decidi, agora que a idade já não me permite trepar a penhascos ou saltar ravinas vou refugiar-me na biblioteca, no sossego da Sintriana e fazer uma recolha, o mais fiel e completa possível, dessas histórias passadas que ligam as fontes a reis e rainhas, amantes e ladrões.
Uma das fontes mais bonitas da vila de Sintra, a fonte dos Pizões que é uma bonita peça arquitectónica se assim se pode dizer, é uma das que se encontra completamente seca. Situada num dos locais nobres e mais visitados de Sintra, paredes meias com a Quinta da Regaleira e a caminho dos Seteais é triste ver que da sua bica já não brota aquela água fresca, leve e retemperadora que ali corria outrora. Há anos que vou ouvindo alusões a presumíveis desvios de água por parte de proprietários de algumas quintas onde se encontram as minas. Há também quem afirme que essas minas não são devidamente limpas e as canalizações que conduzem o precioso líquido até às fontes estarão deterioradas e que a água se perde pelo caminho. Não sei se será verdade ou se as minas pura e simplesmente terão secado. Eu não sei, mas penso que os serviços camarários que têm a seu cargo estes equipamentos de interesse público podem e devem saber e têm a obrigação de tomar as medidas necessárias para que a água volte a correr em todas as velhinhas e históricas fontes sintrenses. 
Que corra água em abundância em cada bica da nossa terra para que os sequiosos se possam dessedentar e o romance volte a ser embalado pelo seu canto suave e contínuo.


Guilherme Duarte 

A SINTRA QUE OS JOVENS DESCONHECEM

          
Quando a idade avança e os horizontes se encurtam ficamos mais sujeitos a ataques de saudosismo e então optamos, invariavelmente, para olhar para o passado onde o horizonte é bem mais vasto que aquele que temos pela frente. Sabemos que o caminho já percorrido foi muito mais longo do que aquele que nos falta percorrer. Perante essa constatação ficamos nostálgicos a recordar o passado que agora, à distância de várias décadas, vemos em tons cor de rosa esquecendo possíveis momentos mais complicados que eventualmente possamos ter vivido. Quando visitamos o passado não resistimos à tentação de fazermos comparações com o momento presente e invariavelmente chegamos à conclusão que nesses tempos já distantes era tudo bem melhor. Poucos de nós, os mais idosos, ou se preferirem, os mais experientes e talvez mais sábios, resistem a esta tentação. Eu sou um desses nostálgicos saudosistas dos tempos idos. Que fique bem claro que não estou a falar de política porque essa missão eu deixo para aqueles que não percebem patavina do assunto mas que vivem  “à grande e à francesa” à custa dela, que o mesmo é dizer, à nossa custa.

 Este mês, porque me sinto desiludido, direi mesmo que zangado e descrente com o caminho que os homens tomaram e com o comportamento egoísta e desumano que caracteriza a sociedade actual decidi virar as costas a toda a porcaria que me rodeia e olhar para o passado. O comentário deste mês terá um cariz diferente do habitual, irei falar de saudade  mas de uma coisa eu não abdico, falar também de  Sintra, só que desta vez duma Sintra insuspeitada pelos mais novos, uma Sintra que existiu e que “os rapazes” e “raparigas” da minha idade teimam em não esquecer. Uma Sintra que infelizmente não existe mais. Hoje quero recordar a Sintra que num dia frio de Janeiro me viu nascer, que embalou a minha infância e que alimentou os meus sonhos de adolescente. ,A Sintra que não é a mesma que agora assiste e ampara o meu rápido envelhecimento. Nós sintrense dizemos frequentemente que Sintra parou no tempo, não evoluiu e que nada mudou de então para cá. Não é verdade Sintra mudou sim senhor e nem sempre para melhor. Senão vejamos:

Há várias décadas atrás Sintra era uma vila pacata onde todas as pessoas se conheciam pelos nomes e se saudavam quando se cruzavam nas ruas. Não havia nesse tempo congestionamentos de trânsito para nos pôr os nervos em franja porque o automóvel não estava acessível à esmagadora maioria da população. Nas estradas circulavam carroças e burros em que os saloios transportavam os produtos da sua lavra que vinham vender à vila. No Natal eram também os vendedores de perus que os conduziam em grupos numerosos pelas estrada e caminhos de Sintra,  perus esses que iriam ser sacrificados para enriquecer a ceia de Natal das famílias sintrenses. No que respeita ao carnaval, nessa época começava no início de Janeiro, logo a seguir à quadra natalícia, quando começavam a aparecer nas mãos do jovens foliões as bisnagas, saquinhos com serradura, rabinhos, bombas de rabiar, estalinhos e frasquinhos mau cheiro. Ninguém se ofendia e todos aceitavam a brincadeira com boa disposição. Havia cegadas a percorrer as ruas a satirizar tudo e todos, bailes de máscaras nas colectividades e teatros carnavalescos bem divertidos. No que se refere à actividade comercial pode parecer impossível hoje, mas não havia nesse tempo estabelecimentos fechados em Sintra, o comércio estava bem vivo e de boa saúde. Havia lojas de todos os ramos. Padarias, (só na Estefânea eram três no espaço de 100 metros), sapatarias, várias mercearias, tabernas eram mais que muitas, barbeiros, cabeleireiros, lojas de móveis e de alugueres de bicicletas, lojas de solas e cabedais, alfaiates e sapateiros, talhos, lojas de pronto a vestir, drogarias e  ferragens, cafés, pastelarias, pensões e estalagens, papelarias, peixaria, lugares de frutas e hortaliças, farmácias, papelarias,  lojas de brinquedos, e tantos outros estabelecimentos que cobriam todas as necessidades de consumo dos sintrenses. Havia duas salas de cinema e até existia um casino a funcionar, onde se viveram ali noites glamourosas. Os cafés estavam abertos até tarde e ninguém arredava pé antes acabar o programa de televisão e as soirées nos cinemas. Havia nessa época vida nas noites de Sintra.

Recordo com saudade os cheiros que emanavam das fábricas de bolos e queijadas, do pão quente das padarias, da moagem do café nos armazéns do Baeta, e o aroma bom do café moído na ocasião na pastelaria Ideal, sempre que um cliente ali ia comprar 250 gramas ou meio-quilo de café que as disponibilidades financeiras não permitiam mais. Escolas primárias eram quatro, a do Morais e do Rodas na Estefânia e duas em S. Pedro de Penaferrim.

Tenho pena que o eléctrico não vá actualmente até à Vila Velha como antigamente. Até a chiadeira provocada pela fricção do rodado nos carris no centro da Estefânia a na Volta do Duche me soa a esta distância como uma agradável sinfonia. No centro histórico existiam nada menos que quatro hotéis todos eles carregados de história, o Hotel Costa hoje o posto de turismo de Sintra, o Hotel Central, agora a funcionar apenas como café e restaurante, o Hotel Nunes, onde se encontra instalado o Tivoli Sintra, e o ultimamente tão badalado Hotel Neto cujas ruínas emporcalham a zona histórica de Sintra, ali paredes meias com o Palácio Nacional. Uma palavra ainda para o comboio com as suas velhinhas carruagens puxadas por enormes e assustadoras locomotivas a vapor, negras e fumegantes. Já vai longa este rol de saudades mas não posso terminá-la sem referir o estado de conservação dos edifícios. Não havia nesse tempo casas em ruínas. Todas elas se encontravam bem conservadas e habitadas, havia roupa a secar nas janelas e das chaminés saía fumo sempre que se aproximava a hora de preparar as refeições. Ouviam-se os risos das crianças. Todas as casas palpitavam vida.

É impossível não fazer comparações entre a Sintra desse tempo e a Sintra dos nossos dias. O balanço final entre o que melhorou e o que se perdeu, penso que o resultado é negativo. Dou como exemplo os edifícios em ruínas espalhadas um pouco por toda a vila de Sintra. Isto para não falar já na marginalidade que aumentou assustadoramente e a desumanização das pessoas. Hoje quase ninguém se conhece nem se saúda. Há mais população mas menos convívio e menos solidariedade. Haveria ainda muito mais a dizer mas já vai longa a conversa.  

Ora digam lá se esses eram ou não os bons velhos tempos? Para muitos não serão mas são-no para mim que estou velho e numa fase aguda de saudosismo. Não será possível poder recuar algumas décadas atrás para podermos ter a nossa velha Sintra de volta?

Guilherme Duarte


( Este texto está escrito de acordo com a ortografia antiga). 

A PSML PREMIADA INTERNACIONALMENTE

O PRÉMIO “WORLD TRAVEL AWARD” PARA A MELHOR EMPRESA DO MUNDO EM CONSERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO FOI ATRIBUIDO À EMPRESA “PARQUES DE SINTRA – MONTE DA LUA”

É verdade. A PSML foi recentemente distinguida e premiada como a MELHOR EMPRESA DO MUNDO na área da conservação de património. Esta distinção para além de dignificar Sintra premeia principalmente o magnífico trabalho que ao longo dos anos tem vindo a ser desenvolvido por esta empresa. Estão de parabéns os seus administradores, muito especialmente o seu presidente, Engº António Lamas, e toda a equipa de colaboradores que não regateia esforços e se esmera para realizar um trabalho de reconhecida excelência. Quem viu há uns anos atrás o estado de degradação em que se encontravam os monumentos em Sintra e os parques que lhe estão adjacentes e quem os vê agora, dificilmente acreditará que está a ver os mesmos locais. Olhada inicialmente com alguma desconfiança pela população local a PSML rapidamente impôs a qualidade do seu trabalho ganhando a confiança e o aplauso dos sintrenses. Hoje a PSML é uma empresa respeitada e prestigiada que acabou de ver a sua competência distinguida como a melhor empresa do mundo na sua área. Todos nós, sintrenses e os que não sendo naturais de Sintra se apaixonaram por esta terra mágica e maravilhosa nos sentimos particularmente orgulhosos com estre prémio. Como todos sabemos o sucesso tem duas faces e apara além do aplauso gera também algumas invejas porque há  sempre quem encare o êxito alheio como a confirmação do seu fracasso e ineficácia, por isso é natural que a PSML também tenha os seus detractores e “inimigos”. Por exemplo estranhamos muito que a Câmara Municipal de Sintra, detentora, ao que julgo saber, de 15% do capital dessa empresa, ao contrário de se congratular com o sucesso e o extraordinário trabalho feito pela PSML nos monumentos e parques sob a sua jurisdição, segundo notícias vindas a público, tomou uma decisão que nos faz pensar que possa existir uns laivos de hostilidade em relação à dita empresa. Mas quero acreditar que será apenas impressão nossa.
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Se os nossos leitores bem se recordam registei nesta coluna há dois meses atrás, com enorme alegria, a notícia que a empresa Monte da Lua tinha chegado a acordo com os proprietários das ruínas do antigo Hotel Neto para adquirir o imóvel e proceder à sua requalificação, pondo assim termo a várias décadas de degradação progressiva que constituía uma vergonhosa  nódoa a manchar o centro histórico, paredes meias com o Palácio Nacional. Para que o negócio se concretizasse faltava apenas a autorização dos organismos competentes que têm que se pronunciar nestes casos. Quando tudo indicava que finalmente as ruínas do histórico edifício teriam o seu fim anunciado e que em breve não passariam a ser mais do que uma desagradável recordação eis que o executivo camarário surpreendeu tudo e todos ao decidir accionar o direito de opção de compra que detinha sobre uma futura venda daquele edifício inviabilizando assim à empresa Monte da Lua a possibilidade de adquirir o velho hotel e proceder à sua recuperação. Até agora temos esperado uma explicação pública da Câmara a sobre as razões que a levaram a tomar esta tão inesperada como polémica decisão. Conhecida que é a incapacidade da autarquia em responder em tempo útil à crescente degradação do património sintrense não temos qualquer razão para pensar que agora tudo será diferente.. Estranhamente parece ter sido esta a forma que o executivo camarário encontrou para agradecer À MELHOR EMPRESA DO MUNDO NA ÁREA DA CONSERVAÇÃO DE PATRIMÓNIO pelo excelente trabalho que tem vindo a desenvolver em Sintra, pelo importante prémio conquistado e por, mais uma vez, ter prestigiado a nossa terra?

Estou curioso para saber o que se vai seguir. Se o PSML oferecia todas as garantias que os trabalhos de recuperação do Hotel Neto se iriam concretizar com a rapidez e qualidade habituais em todas as iniciativas da empresa agora preterida, já tenho sérias dúvidas sobre o futuro dessa recuperação agora nas mãos da Câmara que tem muito para fazer em várias frentes e tem um imenso património para recuperar a começar pelos edifícios degradados na Volta do Duche que oferece aos visitantes um espectáculo indecoroso. Poderia enunciar aqui uma lista extensa de situações que requerem a intervenção urgente da Câmara mas ficará para uma próxima ocasião. Entretanto deixo aqui um apelo. Deixem, a empresa Parques de Sintra Monte da Lua trabalhar como tão bem sabe fazer. Sintra só tem a ganhar com isso e os sintrenses agradecem.



Guilherme Duarte

LENDA DO TÚMULO DOS DOIS IRMÃOS

"É conhecida esta sepultura pela denominação de Sepultura de Dois Irmãos, nome que já tinha no século XV, como consta de um instrumento daquela época.

Dizem os naturais que, o que dera origem a esta denominação fora a tradição que entre eles corre antiga de pais e filhos que passo a descrever como a ouvi a um velho de noventa anos todo inebriado da sua veracidade:
Dois irmãos traziam amores por uma donzela que por aqueles sítios habitava, ignorando ambos os amores um do outro. Acontecendo por uma triste fatalidade encontrarem-se os dois irmãos, em uma noite tenebrosa, debaixo do balcão do objecto que tão enfeitiçados os trazia, um deles, persuadido que o outro lhe disputava os favores da sua dama, corre cego e inconsiderado sobre ele, e o estende morto a seus pés, vítima de um frenético ciúme. Porém, qual é a sua desesperação, quando pela voz moribunda daquele que julga seu rival, reconhece Ter sido assassino do seu próprio irmão, que muito amava e lhe expira nos braços!

Cheio de desespero, volta contra o peito o ferro fratricida, e a cai morto sobre o cadáver ensanguentado do irmão, preferindo uma morte pronta, a uma vida inconsolável, cheia de remorsos."


Do livro “Cintra Pinturesca” de autoria do Visconde de Jerumenha, (1839)