QUANDO
AS FONTES SE CALAM
A água é uma das muitas riquezas
que Sintra sempre teve para oferecer a moradores e visitantes. Água pura,
fresca e cristalina que para além de matar a sede aos sequiosos ainda embala com
o seu sussurrar constante o romantismo e o romance que se adivinham e respiram em
cada cantinho deste pedaço de paraíso, este Éden terreno que Deus fez questão
de oferecer para usufruto do homem e para felicidade de todos aqueles que
tiveram o privilégio de aqui nascer.
Em tempos, quando, com menos
idade, com mais saúde e outra disposição me dedicava mais empenhadamente à
fotografia, fiz um roteiro fotográfico que intitulei “Sintra - Na Rota da
Água”. Calcorreei ruas e becos, percorri trilhos, trepei rochedos e pulei
ravinas sempre com os ouvidos bem atentos ao canto das águas. Explorei recantos
para mim até então desconhecidos, descobri e fotografei fontes, chafarizes,
cascatas, riachos e lagoas e descobri a riqueza das águas de Sintra, uma
riqueza bem mais valiosa do que aquela que eu pensei ir encontrar. Sabia que
havia muita e boa água em Sintra mas ignorava que fosse tanta e rodeada de
tanta beleza e tanta história.
Hoje é com tristeza, e com
alguma revolta, que passo por algumas das nossas fontes mais emblemáticas e só
“ouço” o silêncio. Um silêncio que dói. Das bicas, de onde outrora jorrava água em abundância não corre agora uma gota
que seja. As fontes calaram-se. Perderam a “voz”. Essas fontes, para além de
não dessedentarem ninguém deixaram também de embalar o romance. Estão secas e degradadas
e se nada for feito caminham para o fim.
Muitas das fontes sintrense,
por muito modestas que algumas delas sejam guardam uma história que a maioria
dos sintrenses desconhece. Decidi, agora que a idade já não me permite trepar a
penhascos ou saltar ravinas vou refugiar-me na biblioteca, no sossego da Sintriana
e fazer uma recolha, o mais fiel e completa possível, dessas histórias passadas
que ligam as fontes a reis e rainhas, amantes e ladrões.
Uma das fontes mais bonitas
da vila de Sintra, a fonte dos Pizões que é uma bonita peça arquitectónica se
assim se pode dizer, é uma das que se encontra completamente seca. Situada num
dos locais nobres e mais visitados de Sintra, paredes meias com a Quinta da
Regaleira e a caminho dos Seteais é triste ver que da sua bica já não brota
aquela água fresca, leve e retemperadora que ali corria outrora. Há anos que
vou ouvindo alusões a presumíveis desvios de água por parte de proprietários de
algumas quintas onde se encontram as minas. Há também quem afirme que essas
minas não são devidamente limpas e as canalizações que conduzem o precioso
líquido até às fontes estarão deterioradas e que a água se perde pelo caminho. Não
sei se será verdade ou se as minas pura e simplesmente terão secado. Eu não sei,
mas penso que os serviços camarários que têm a seu cargo estes equipamentos de
interesse público podem e devem saber e têm a obrigação de tomar as medidas necessárias
para que a água volte a correr em todas as velhinhas e históricas fontes sintrenses.
Que corra água em abundância
em cada bica da nossa terra para que os sequiosos se possam dessedentar e o
romance volte a ser embalado pelo seu canto suave e contínuo.
Guilherme Duarte
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