PREÂMBULO

Deus quis fazer de Sintra um verdadeiro paraíso enquanto o homem parece empenhado em transformá-lo num inferno. À magia, ao misticismo, ao mistério, ao romantismo e à história gloriosa de Sintra contrapõe-se actualmente a incompetência, o desinteresse, o desleixo, o desrespeito, a ganância e o oportunismo de quem tem por missão defender esta terra única e maravilhosa que Lorde Byron um dia designou como um Éden Glorioso. Celebrada por grandes vultos da cultura mundial do passado, Sintra não pode ser agora desrespeitada pelos medíocres. O futuro de Sintra só pode ser projectado com um total e rigoroso respeito pelo seu passado e pelas sua características únicas. Sintra não é uma terra qualquer e por isso mesmo não pode ser governado por uma gente qualquer. Só os sintrenses por nascimento ou por adopção, podem defender convenientemente este pedaço de paraíso que Deus nos concedeu. Para servir Sintra é preciso amá-la, senti-la, e quem melhor que os sintrenses para o fazer?

A ruína alastra um pouco por toda a parte, as fontes calaram-se e já não nos embalam com o seu canto refrescante. É imperioso reverter esta situação. Eu sei que há sintrenses bem mais competentes do que eu para lutar por Sintra. Há muito que venho lutando dentro das fracas possibilidades de que disponho, mas nem a modéstia dos meus argumentos nem o brilhantismo dos argumentos de quem sabe e pode mais do que eu, têm merecido a atenção dos responsáveis autárquicos competentes. Só nos resta continuar fazer ouvir a nossa voz, os nossos protestos e a s nossas sugestões. Todos não somos demais para defender a nossa SINTRA.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

A SINTRA QUE OS JOVENS DESCONHECEM

          
Quando a idade avança e os horizontes se encurtam ficamos mais sujeitos a ataques de saudosismo e então optamos, invariavelmente, para olhar para o passado onde o horizonte é bem mais vasto que aquele que temos pela frente. Sabemos que o caminho já percorrido foi muito mais longo do que aquele que nos falta percorrer. Perante essa constatação ficamos nostálgicos a recordar o passado que agora, à distância de várias décadas, vemos em tons cor de rosa esquecendo possíveis momentos mais complicados que eventualmente possamos ter vivido. Quando visitamos o passado não resistimos à tentação de fazermos comparações com o momento presente e invariavelmente chegamos à conclusão que nesses tempos já distantes era tudo bem melhor. Poucos de nós, os mais idosos, ou se preferirem, os mais experientes e talvez mais sábios, resistem a esta tentação. Eu sou um desses nostálgicos saudosistas dos tempos idos. Que fique bem claro que não estou a falar de política porque essa missão eu deixo para aqueles que não percebem patavina do assunto mas que vivem  “à grande e à francesa” à custa dela, que o mesmo é dizer, à nossa custa.

 Este mês, porque me sinto desiludido, direi mesmo que zangado e descrente com o caminho que os homens tomaram e com o comportamento egoísta e desumano que caracteriza a sociedade actual decidi virar as costas a toda a porcaria que me rodeia e olhar para o passado. O comentário deste mês terá um cariz diferente do habitual, irei falar de saudade  mas de uma coisa eu não abdico, falar também de  Sintra, só que desta vez duma Sintra insuspeitada pelos mais novos, uma Sintra que existiu e que “os rapazes” e “raparigas” da minha idade teimam em não esquecer. Uma Sintra que infelizmente não existe mais. Hoje quero recordar a Sintra que num dia frio de Janeiro me viu nascer, que embalou a minha infância e que alimentou os meus sonhos de adolescente. ,A Sintra que não é a mesma que agora assiste e ampara o meu rápido envelhecimento. Nós sintrense dizemos frequentemente que Sintra parou no tempo, não evoluiu e que nada mudou de então para cá. Não é verdade Sintra mudou sim senhor e nem sempre para melhor. Senão vejamos:

Há várias décadas atrás Sintra era uma vila pacata onde todas as pessoas se conheciam pelos nomes e se saudavam quando se cruzavam nas ruas. Não havia nesse tempo congestionamentos de trânsito para nos pôr os nervos em franja porque o automóvel não estava acessível à esmagadora maioria da população. Nas estradas circulavam carroças e burros em que os saloios transportavam os produtos da sua lavra que vinham vender à vila. No Natal eram também os vendedores de perus que os conduziam em grupos numerosos pelas estrada e caminhos de Sintra,  perus esses que iriam ser sacrificados para enriquecer a ceia de Natal das famílias sintrenses. No que respeita ao carnaval, nessa época começava no início de Janeiro, logo a seguir à quadra natalícia, quando começavam a aparecer nas mãos do jovens foliões as bisnagas, saquinhos com serradura, rabinhos, bombas de rabiar, estalinhos e frasquinhos mau cheiro. Ninguém se ofendia e todos aceitavam a brincadeira com boa disposição. Havia cegadas a percorrer as ruas a satirizar tudo e todos, bailes de máscaras nas colectividades e teatros carnavalescos bem divertidos. No que se refere à actividade comercial pode parecer impossível hoje, mas não havia nesse tempo estabelecimentos fechados em Sintra, o comércio estava bem vivo e de boa saúde. Havia lojas de todos os ramos. Padarias, (só na Estefânea eram três no espaço de 100 metros), sapatarias, várias mercearias, tabernas eram mais que muitas, barbeiros, cabeleireiros, lojas de móveis e de alugueres de bicicletas, lojas de solas e cabedais, alfaiates e sapateiros, talhos, lojas de pronto a vestir, drogarias e  ferragens, cafés, pastelarias, pensões e estalagens, papelarias, peixaria, lugares de frutas e hortaliças, farmácias, papelarias,  lojas de brinquedos, e tantos outros estabelecimentos que cobriam todas as necessidades de consumo dos sintrenses. Havia duas salas de cinema e até existia um casino a funcionar, onde se viveram ali noites glamourosas. Os cafés estavam abertos até tarde e ninguém arredava pé antes acabar o programa de televisão e as soirées nos cinemas. Havia nessa época vida nas noites de Sintra.

Recordo com saudade os cheiros que emanavam das fábricas de bolos e queijadas, do pão quente das padarias, da moagem do café nos armazéns do Baeta, e o aroma bom do café moído na ocasião na pastelaria Ideal, sempre que um cliente ali ia comprar 250 gramas ou meio-quilo de café que as disponibilidades financeiras não permitiam mais. Escolas primárias eram quatro, a do Morais e do Rodas na Estefânia e duas em S. Pedro de Penaferrim.

Tenho pena que o eléctrico não vá actualmente até à Vila Velha como antigamente. Até a chiadeira provocada pela fricção do rodado nos carris no centro da Estefânia a na Volta do Duche me soa a esta distância como uma agradável sinfonia. No centro histórico existiam nada menos que quatro hotéis todos eles carregados de história, o Hotel Costa hoje o posto de turismo de Sintra, o Hotel Central, agora a funcionar apenas como café e restaurante, o Hotel Nunes, onde se encontra instalado o Tivoli Sintra, e o ultimamente tão badalado Hotel Neto cujas ruínas emporcalham a zona histórica de Sintra, ali paredes meias com o Palácio Nacional. Uma palavra ainda para o comboio com as suas velhinhas carruagens puxadas por enormes e assustadoras locomotivas a vapor, negras e fumegantes. Já vai longa este rol de saudades mas não posso terminá-la sem referir o estado de conservação dos edifícios. Não havia nesse tempo casas em ruínas. Todas elas se encontravam bem conservadas e habitadas, havia roupa a secar nas janelas e das chaminés saía fumo sempre que se aproximava a hora de preparar as refeições. Ouviam-se os risos das crianças. Todas as casas palpitavam vida.

É impossível não fazer comparações entre a Sintra desse tempo e a Sintra dos nossos dias. O balanço final entre o que melhorou e o que se perdeu, penso que o resultado é negativo. Dou como exemplo os edifícios em ruínas espalhadas um pouco por toda a vila de Sintra. Isto para não falar já na marginalidade que aumentou assustadoramente e a desumanização das pessoas. Hoje quase ninguém se conhece nem se saúda. Há mais população mas menos convívio e menos solidariedade. Haveria ainda muito mais a dizer mas já vai longa a conversa.  

Ora digam lá se esses eram ou não os bons velhos tempos? Para muitos não serão mas são-no para mim que estou velho e numa fase aguda de saudosismo. Não será possível poder recuar algumas décadas atrás para podermos ter a nossa velha Sintra de volta?

Guilherme Duarte


( Este texto está escrito de acordo com a ortografia antiga). 

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