Este espaço há anos que tem
vindo a ser dedicado a Sintra, umas vezes para denunciar situações que no nosso
entender merecem ser criticadas por denegrirem a sua imagem, outras vezes para
aplaudir as que a prestigiam. Fazemo-lo sempre apenas com a intenção de servir
Sintra. Este mês, porém, irei como habitualmente falar de Sintra mas desta vez para
falar de pessoas, de trabalhadores que se esforçam e põem toda a sua
competência, vontade e saber ao serviço da nossa terra e da sua população. Para
o fazer irei socorrer-me do exemplo de um homem cujo nome desconheço e que tem
como função manter limpas as ruas e passeios do Bairro da Portela. É um
trabalhador da limpeza das ruas, um “almeida” como se chamava a quem desempenhava
esta profissão desvalorizada por muitas pessoas preconceituosas mas que, muito
justamente, já conquistou o respeito da maioria da população.
A ideia de homenagear neste
espaço na figura de um só trabalhador, os trabalhadores da administração local
ou das empresas municipais que servem Sintra com dedicação e profissionalismo e
que contribuem com o seu esforço para manter a boa imagem da Vila Patrimonio
Mundial e a eficácia dos serviços prestados à sua população e quem a visita, ocorreu-me
pela observação que tenho vindo a fazer ao longo do tempo ao trabalho de um
homem do qual conheço apenas o empenho e a competência com que desempenha a sua
função. Este homem é um exemplo de brio e competência profissional. Há alguns
anos que o tenho vindo a observar e apetece-me dizer que cansa ver esse homem
trabalhar. Faça chuva ou faça sol, haja vento ou esteja frio este homem não
pára nunca. No Outono é curiosa a luta épica que trava contra as folhas que
amarelecidas caiem das árvores para atapetar o chão. Em tempos comentei com ele
que estava a travar uma batalha que nunca conseguiria vencer. Riu-se, disse que
sim e continuou a sua luta. Varre, segue em frente depois volta atrás e volta a
varrer enquanto as folhas continuam a cair. É uma luta de teimosos em que a
natureza vence o homem mas este, com a sua persistência nunca se dá por
vencido.
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Este homem simples, educado
e trabalhador que está longe de ser um jovem, é um exemplo de que na função
pública, actualmente tão atacada pela governação, há quem trabalhe muito e
muito bem apesar de saber que a compensação pelo seu esforço se traduz em
cortes nos seus salários. A esses homens e essas mulheres que trabalham em prol
de Sintra e dos sintrenses com empenho e dedicação, como este homem que faz
questão em manter as ruas da Portela de Sintra sempre limpas, eu tiro o meu
chapéu. Poder-se-á dizer, e com razão, que não fazem mais que a sua obrigação.
É verdade que sim mas também é verdade que a injustiça, para além de revoltar,
também desmotiva e um trabalhador desmotivado não tem ânimo para se aplicar
tanto como devia ou como se lhe exige. Um povo deprimido e oprimido pela
tirania de um Estado cruel para quem trabalha, tal a desconsideração e desumanidade
com que é tratado, a braços com uma taxa de desemprego que deveria tirar o sono
aos nossos políticos, um povo que está a empobrecer rapidamente, espoliado
frequentemente com cortes nos salários e nas pensões e sufocado por impostos
brutais e taxas e mais taxas, não pode ter motivação nem tem condições
psicológicas para ser tão produtivo quanto se lhe exige. É a tal história do
“não há dinheiro, não há palhaços”. Um trabalhador injustiçado dificilmente
terá ânimo e vontade para se esforçar muito no seu desempenho profissional.
Pode parecer que estou a fazer aqui a apologia de uma espécie de greve de
braços caídos. Não é essa a minha intenção, estou apenas a querer dizer que
todos somos humanos, com as virtudes e fraquezas próprias da raça humana e é
humano que quem não se sente devidamente compensado pelo seu trabalho e se vê
espoliado de parte dos seu salário e dos seus direitos não esteja motivado para
ter a produtividade exigida. Qualquer técnico de recursos humanos diria o
mesmo.
Felizmente que nem todos os
trabalhadores injustiçados se deixam vencer pelo desânimo e há ainda muitos que
esquecem a injustiça com que são tratados e trabalham empenhadamente pondo todo
o seu esforço e competência ao serviço de Sintra e dos sintrenses tal como este
homem simples e persistente que luta contra as folhas que o Outono derruba e
mantém limpas as ruas da Portela de Sintra. A todos esses trabalhadores eu tiro
o meu chapéu e quanto ao chamado “almeida” que dei aqui como exemplo sinto-me
honrado por lhe apertar a mão sempre que me cruzo com ele. Um homem que não sei
quem é nem como se chama, só sei que trabalha muito e trabalha bem..
NOTA: De acordo com a Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira, os trabalhadores da limpeza de Lisboa são conhecidos por almeidas porque, inicialmente,
alguns ou quase todos seriam naturais de Almeida,
vila fronteiriça do distrito da
Guarda.
Guilherme Duarte
(Artigo publicado no número de Maio do jornal Cruz Alta)I