PREÂMBULO

Deus quis fazer de Sintra um verdadeiro paraíso enquanto o homem parece empenhado em transformá-lo num inferno. À magia, ao misticismo, ao mistério, ao romantismo e à história gloriosa de Sintra contrapõe-se actualmente a incompetência, o desinteresse, o desleixo, o desrespeito, a ganância e o oportunismo de quem tem por missão defender esta terra única e maravilhosa que Lorde Byron um dia designou como um Éden Glorioso. Celebrada por grandes vultos da cultura mundial do passado, Sintra não pode ser agora desrespeitada pelos medíocres. O futuro de Sintra só pode ser projectado com um total e rigoroso respeito pelo seu passado e pelas sua características únicas. Sintra não é uma terra qualquer e por isso mesmo não pode ser governado por uma gente qualquer. Só os sintrenses por nascimento ou por adopção, podem defender convenientemente este pedaço de paraíso que Deus nos concedeu. Para servir Sintra é preciso amá-la, senti-la, e quem melhor que os sintrenses para o fazer?

A ruína alastra um pouco por toda a parte, as fontes calaram-se e já não nos embalam com o seu canto refrescante. É imperioso reverter esta situação. Eu sei que há sintrenses bem mais competentes do que eu para lutar por Sintra. Há muito que venho lutando dentro das fracas possibilidades de que disponho, mas nem a modéstia dos meus argumentos nem o brilhantismo dos argumentos de quem sabe e pode mais do que eu, têm merecido a atenção dos responsáveis autárquicos competentes. Só nos resta continuar fazer ouvir a nossa voz, os nossos protestos e a s nossas sugestões. Todos não somos demais para defender a nossa SINTRA.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O BOM TRABALHO DOS INJUSTIÇADOS


Este espaço há anos que tem vindo a ser dedicado a Sintra, umas vezes para denunciar situações que no nosso entender merecem ser criticadas por denegrirem a sua imagem, outras vezes para aplaudir as que a prestigiam. Fazemo-lo sempre apenas com a intenção de servir Sintra. Este mês, porém, irei como habitualmente falar de Sintra mas desta vez para falar de pessoas, de trabalhadores que se esforçam e põem toda a sua competência, vontade e saber ao serviço da nossa terra e da sua população. Para o fazer irei socorrer-me do exemplo de um homem cujo nome desconheço e que tem como função manter limpas as ruas e passeios do Bairro da Portela. É um trabalhador da limpeza das ruas, um “almeida” como se chamava a quem desempenhava esta profissão desvalorizada por muitas pessoas preconceituosas mas que, muito justamente, já conquistou o respeito da maioria da população.

A ideia de homenagear neste espaço na figura de um só trabalhador, os trabalhadores da administração local ou das empresas municipais que servem Sintra com dedicação e profissionalismo e que contribuem com o seu esforço para manter a boa imagem da Vila Patrimonio Mundial e a eficácia dos serviços prestados à sua população e quem a visita, ocorreu-me pela observação que tenho vindo a fazer ao longo do tempo ao trabalho de um homem do qual conheço apenas o empenho e a competência com que desempenha a sua função. Este homem é um exemplo de brio e competência profissional. Há alguns anos que o tenho vindo a observar e apetece-me dizer que cansa ver esse homem trabalhar. Faça chuva ou faça sol, haja vento ou esteja frio este homem não pára nunca. No Outono é curiosa a luta épica que trava contra as folhas que amarelecidas caiem das árvores para atapetar o chão. Em tempos comentei com ele que estava a travar uma batalha que nunca conseguiria vencer. Riu-se, disse que sim e continuou a sua luta. Varre, segue em frente depois volta atrás e volta a varrer enquanto as folhas continuam a cair. É uma luta de teimosos em que a natureza vence o homem mas este, com a sua persistência nunca se dá por vencido.
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Este homem simples, educado e trabalhador que está longe de ser um jovem, é um exemplo de que na função pública, actualmente tão atacada pela governação, há quem trabalhe muito e muito bem apesar de saber que a compensação pelo seu esforço se traduz em cortes nos seus salários. A esses homens e essas mulheres que trabalham em prol de Sintra e dos sintrenses com empenho e dedicação, como este homem que faz questão em manter as ruas da Portela de Sintra sempre limpas, eu tiro o meu chapéu. Poder-se-á dizer, e com razão, que não fazem mais que a sua obrigação. É verdade que sim mas também é verdade que a injustiça, para além de revoltar, também desmotiva e um trabalhador desmotivado não tem ânimo para se aplicar tanto como devia ou como se lhe exige. Um povo deprimido e oprimido pela tirania de um Estado cruel para quem trabalha, tal a desconsideração e desumanidade com que é tratado, a braços com uma taxa de desemprego que deveria tirar o sono aos nossos políticos, um povo que está a empobrecer rapidamente, espoliado frequentemente com cortes nos salários e nas pensões e sufocado por impostos brutais e taxas e mais taxas, não pode ter motivação nem tem condições psicológicas para ser tão produtivo quanto se lhe exige. É a tal história do “não há dinheiro, não há palhaços”. Um trabalhador injustiçado dificilmente terá ânimo e vontade para se esforçar muito no seu desempenho profissional. Pode parecer que estou a fazer aqui a apologia de uma espécie de greve de braços caídos. Não é essa a minha intenção, estou apenas a querer dizer que todos somos humanos, com as virtudes e fraquezas próprias da raça humana e é humano que quem não se sente devidamente compensado pelo seu trabalho e se vê espoliado de parte dos seu salário e dos seus direitos não esteja motivado para ter a produtividade exigida. Qualquer técnico de recursos humanos diria o mesmo.

Felizmente que nem todos os trabalhadores injustiçados se deixam vencer pelo desânimo e há ainda muitos que esquecem a injustiça com que são tratados e trabalham empenhadamente pondo todo o seu esforço e competência ao serviço de Sintra e dos sintrenses tal como este homem simples e persistente que luta contra as folhas que o Outono derruba e mantém limpas as ruas da Portela de Sintra. A todos esses trabalhadores eu tiro o meu chapéu e quanto ao chamado “almeida” que dei aqui como exemplo sinto-me honrado por lhe apertar a mão sempre que me cruzo com ele. Um homem que não sei quem é nem como se chama, só sei que trabalha muito e trabalha bem..

NOTA:  De acordo com a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, os trabalhadores da limpeza de Lisboa são conhecidos por almeidas porque, inicialmente, alguns ou quase todos seriam naturais de Almeida, vila fronteiriça do distrito da Guarda.


Guilherme Duarte 

(Artigo publicado no número de Maio do jornal Cruz Alta)I

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