PREÂMBULO

Deus quis fazer de Sintra um verdadeiro paraíso enquanto o homem parece empenhado em transformá-lo num inferno. À magia, ao misticismo, ao mistério, ao romantismo e à história gloriosa de Sintra contrapõe-se actualmente a incompetência, o desinteresse, o desleixo, o desrespeito, a ganância e o oportunismo de quem tem por missão defender esta terra única e maravilhosa que Lorde Byron um dia designou como um Éden Glorioso. Celebrada por grandes vultos da cultura mundial do passado, Sintra não pode ser agora desrespeitada pelos medíocres. O futuro de Sintra só pode ser projectado com um total e rigoroso respeito pelo seu passado e pelas sua características únicas. Sintra não é uma terra qualquer e por isso mesmo não pode ser governado por uma gente qualquer. Só os sintrenses por nascimento ou por adopção, podem defender convenientemente este pedaço de paraíso que Deus nos concedeu. Para servir Sintra é preciso amá-la, senti-la, e quem melhor que os sintrenses para o fazer?

A ruína alastra um pouco por toda a parte, as fontes calaram-se e já não nos embalam com o seu canto refrescante. É imperioso reverter esta situação. Eu sei que há sintrenses bem mais competentes do que eu para lutar por Sintra. Há muito que venho lutando dentro das fracas possibilidades de que disponho, mas nem a modéstia dos meus argumentos nem o brilhantismo dos argumentos de quem sabe e pode mais do que eu, têm merecido a atenção dos responsáveis autárquicos competentes. Só nos resta continuar fazer ouvir a nossa voz, os nossos protestos e a s nossas sugestões. Todos não somos demais para defender a nossa SINTRA.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

SINTRA - ENTRE O ESPLENDOR E A RUÍNA


No final da primeira metade do século passado era possível percorrem-se as ruas de Sintra sem deparamos com um edifício abandonado ou em ruinas. Nessa época o património edificado da nossa terra estava bem conservado pelos seus proprietários que faziam questão em não o deixar deteriorar. Sintra era então uma vila  com a cara lavada, cuidada, elegante e  acolhedora  onde dava gosto viver,  pelo que era muito procurada pelas famílias mais abastadas para aqui se radicarem ou apenas para usufruirem dos seus encantos nos fins de semana e nos periodos de férias. Não havia palacetes, mansões, quintas ou vivendas abandonadas nem jardins deixados ao desleixo, transformados em verdadeiros matagais, como acontece actualmente.

Sintra era nesse tempo um destino de férias bastante apreciado por muitas famílias portuguesas e estrangeiras que aqui acorriam. No verão a nossa vila recebia com hospitalidade e simpatia todos os que procuravam em Sintra descanso e encantamento. Havia mais movimento nas ruas, caras novas, e as esplanadas enchiam-se estando abertas até tarde para receber os clientes que a elas acorriam depois das sessões nocturnas dos dois cinemas  que estavam então em plena actividade. Eram tempos em que não havia ainda a obsessão pela praia. É verdade que elas já eram bastante procuradas nessa época em que um dia de praia era para a maioria dos sintrenses  um dia de festa, uma festa que começava com uma pitoresca viagem no velhinho carro eléctrico que, completamente lotado e a chiar sobre os carris, percorria pachorrentamente o percurso entre Sintra e as Azenhas do Mar, por entre pomares e vinhedos, sempre com a beleza da nossa serra como pano de fundo. A praia não exercia ainda a sua ditadura e alternava com os prazeres do campo, o ar puro da montanha, a fresquidão da floresta, a amenidade do clima e as águas cantantes que, cristalinas, jorravam abundantemente nas fontes e corriam serra abaixo em numerosos regatos, a preferência dos veraneantes. Sintra era então uma vila tranquila onde a vida sorria e todos os seus habitantes tinham gosto em preservar e embelezar as suas casas e jardins onde era quase uma obrigação plantar pelo menos uma cameleira para enfeitar a  Primavera sintrense com a sua flor emblemática, a camélia.

Os anos foram-se sucedendo rapidamente como rápida foi a mudança de gostos e de hábitos dos portugueses que passaram a adoptar outros costumes e preferências. O uso do automóvel generalizou-se,  o acesso às praias ficou bastante mais facilitado e actualmente a balbúrdia dos areais superlotados sobrepõe-se definitivamente ao sossego dos campos e da floresta. O sol escaldante tornou-se mais apetecível que a fresquidão dos bosques. Simultaneamente outros sons foram invadindo os dias de Verão. O rumorejar melodioso das águas correntes, o sussuro brando da folhagem das árvores a responder às carícias da brisa suave e os trinados alegres da passarada foram destronados definitivamente pelo ruído estridente dos transistores, pelo o som irritante das “raquetadas” e pela vozearia da populaça em “ cuecas” a abafar o grasnar das gaivotas e a melodia sincopada das ondas a lançarem-se furiosamente sobre a areia dourada da praia. As novas modas roubaram a Sintra os seus veraneantes, o tempo foi levando consigo muitos dos antigos proprietários enquanto  os herdeiros, em litígio, se perdiam  em infindáveis e ruinosas batalhas judiciais enquanto as suas propriedades se iam  deteriorando por efeito do abandono a que foram votados e pela acção destruidora do tempo.

Hoje, a vila de Sintra tem centenas de edifícios em ruínas, muitos deles com um passado faustoso atrás de si. Outros, mais modestos encerram simplesmente a memória de tantas e tantas famílias que os habitaram. As suas paredes foram testemunhas silenciosas de vidas passadas, de alegrias e dramas, de felicidade e de dor de sintrenses que nelas nasceram, viveram e morreram, São edifícios com história, a história simples de gente simples da nossa terra. Essas paredes que serviram durante tantos e tantos anos como porto da abrigo para tantas famílias estão hoje por terra derrubadas pelo desinteresse e pala incúria. 
É a história e a memória de uma parte de Sintra e das suas gentes, transformada num montão de destroços.


Guilherme Duarte 

(Texto publicado no jornal Cruz Alta)

1 comentário:

  1. Infelizmente não é uma situação exclusiva de Sintra... ainda há poucos dias comentava com uma amiga que é vergonhoso o facto de, aqui no Montijo, não haver uma única rua (com excepção das novas urbanizações, claro) em que não haja, pelo menos, um edifício ao abandono e a ruir! Eu sei que são tempos de crise, eu sei que muitas vezes herdeiros não se entendem e os processos levam eternidades e que quando se chega ao fim já não nada porque discutir, porque o estado de degradação é tal que já não há interesse ou hipótese de reconstruir ou de vender... apesar de que eles tentam, por preços exorbitantes, como se o comprador estivesse perante um edifício imaculadamente perfeito!
    Agora, o que me pergunto, é se não haveria forma de as autarquias intervirem, de forma a evitar esse abandono e consequente degradação... afinal está em jogo a imagem, o património e a história da terra!

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