PREÂMBULO

Deus quis fazer de Sintra um verdadeiro paraíso enquanto o homem parece empenhado em transformá-lo num inferno. À magia, ao misticismo, ao mistério, ao romantismo e à história gloriosa de Sintra contrapõe-se actualmente a incompetência, o desinteresse, o desleixo, o desrespeito, a ganância e o oportunismo de quem tem por missão defender esta terra única e maravilhosa que Lorde Byron um dia designou como um Éden Glorioso. Celebrada por grandes vultos da cultura mundial do passado, Sintra não pode ser agora desrespeitada pelos medíocres. O futuro de Sintra só pode ser projectado com um total e rigoroso respeito pelo seu passado e pelas sua características únicas. Sintra não é uma terra qualquer e por isso mesmo não pode ser governado por uma gente qualquer. Só os sintrenses por nascimento ou por adopção, podem defender convenientemente este pedaço de paraíso que Deus nos concedeu. Para servir Sintra é preciso amá-la, senti-la, e quem melhor que os sintrenses para o fazer?

A ruína alastra um pouco por toda a parte, as fontes calaram-se e já não nos embalam com o seu canto refrescante. É imperioso reverter esta situação. Eu sei que há sintrenses bem mais competentes do que eu para lutar por Sintra. Há muito que venho lutando dentro das fracas possibilidades de que disponho, mas nem a modéstia dos meus argumentos nem o brilhantismo dos argumentos de quem sabe e pode mais do que eu, têm merecido a atenção dos responsáveis autárquicos competentes. Só nos resta continuar fazer ouvir a nossa voz, os nossos protestos e a s nossas sugestões. Todos não somos demais para defender a nossa SINTRA.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O BAIRRO DA ESTEFÂNIA

              
HÁ MEIO SÉCULO ATRÁS

“Sintra – A Sala de Visitas de Portugal”. Era assim, com esta frase, que, há meio século atrás, a antiga Comissão de Turismo de Sintra promovia, nacional e internacionalmente, a nossa terra como destino turístico de excelência. Sintra era nesse tempo, tal como é ainda hoje, um destino de eleição, quer para o turista estrangeiro que nos visita, quer para o português que gosta de viajar no seu país. Sintra era, e é inquestionavelmente, a mais bela sala de visitas de Portugal. Mas os tempos mudam, mudam as vontades e consequentemente mudam também as realidades, e nem sempre essa mudança é benéfica. Em Sintra não o foi…infelizmente. 

O que foi então que mudou em Sintra? Que diferença existe entre a Sintra de há 50 anos atrás e a Sintra dos nossos dias? A sala de visitas? Claro que não, porque essa continua a ser linda, embora a “mobília” apresente já graves sinais de degradação provocada pelo tempo e pelo desleixo. O que mudou então? Mudou a antecamera que, antigamente, sem o luxo da sala de visitas, mas com sobriedade e a dignidade que a magnificência do salão principal obrigava,  era uma entrada simpática onde os visitantes eram recebidos com fidalguia antes de se lhes escancarar as portas para o deslumbramento. Bairro simples, sem monumentos e sem o passado histórico da Vila Velha, o Bairro da Estefânia, de edificação mais recente, encantava pela beleza de algumas das suas moradias e palacetes e pelos pequenos prédios de arquitectura singela mas harmoniosa, então cuidadosamente limpos e bem conservados, Era agradável ver os pequenos parques e jardins, também eles bem cuidados, e os gradeamentos de ferro que ali abundavam e que lhe eram característicos. Os eléctricos a “chiar” nos carris e as fumegantes locomotivas a vapor, a fumegar, atreladas às velhinhas carruagens do princípio do século passado emprestavam-lhe tipicismo e colorido. A Estefânia nessa época tinha côr, tinha vida, tinha encanto e fazia sentir já, por antecipação, aquele romantismo que ao longo de séculos tem inspirado tantos poetas, romancistas, músicos e pintores.

 A grandiosidade do Monte da Lua coroado, lá bem no alto, pelas muralhas do castelo, o Paço Real ali a dois passos, encimado pelas chaminés gigantescas a imporem-se ao casario do velho burgo e o cenário luxuriante do Vale da Raposa, contribuíam para oferecer ao turista, logo à entrada, o clima romântico que ele aqui procurava e eram decisivos para fazer da Estefânia dessa época, uma digna antecâmera de uma esplêndida e luxuosa sala de visitas. Mas se a serra, o palácio e o Vale da Raposa ainda lá estão práticamente inalteráveis porque é que a antecamera perdeu a dignidade? Respondo com outra pergunta, será que uma sala mesmo que ostente nas suas paredes belos quadros, se tiver a mobília a cair aos bocados consegue fascinar alguém? Penso que não.  

50 ANOS DEPOIS

Hoje o Bairro da Estefânia está longe do esplendor do passado. Em nome do progresso fizeram-se alterações que, longe de o beneficiar, contribuíram antes para a sua descaracterização. Destruiu-se a pequena rotunda que existia no Largo Afonso de Albuquerque onde se destacava um interessante candeeiro da época; foi destruído ainda um outro espaço ajardinado que dividia as duas faixas de rodagem entre o Largo e a Correnteza, onde estava instalado o chafariz dos peixes, hoje colocado junto do edifício da PT. Os gradeamentos e jardins desapareceram, os edifícios deterioraram-se, as lojas encerraram, o eléctrico deixou de circular e a Correnteza ficou menos atractiva sem muitos dos bancos que ali havia, sem os  arcos de ferro e sem as roseiras que os enfeitavam. Hoje a Estefânia está muito longe de ser aquela antecâmera digna da mais bela sala de visitas de Portugal, para ser apenas um bairro decadente, em ruínas, feio e sujo, que decepciona o turista mais tolerante e envergonha os sintrenses que nada podem fazer para inverter esta situação. Mas será que não podem mesmo?
Quem entrar hoje em Sintra pela porta da Estefânia certamente que se sentirá  desiludido e frustrado, senão mesmo arrependido por aqui ter vindo, ao deparar com tanto desleixo e tanta degradação. É compreensível que, após as primeiras impressões, receie ter sido enganado pela propaganda turística que lhe fez crer que Sintra seria um dos mais belos locais do mundo, e afinal não passa de uma vila decadente e arruinada. Esta é de certeza a primeira impressão que Sintra causa ao visitante, e acreditem que as primeiras impressões são importantíssimas porque preparam o estado de espírito com que ele irá encarar o que vem a seguir. Infelizmente em Sintra a margem de tolerância esgota-se logo à entrada.  A Estefânia, tal como está é uma verdadeira vergonha que desprestigia os autarcas, os proprietários dos imóveis e os sintrenses.

Uma requalificação falhada na sua primeira fase, uma segunda fase mais conseguida, um ou outro prédio recuperado é tudo aquilo que até agora tem sido feito para inverter a situação. É pouco, muito pouco. É urgente uma intervenção de fundo em toda esta zona, modernizando-a sem a descaracterizar. É imperioso recuperar todos os edifícios deteriorados, revitalizar e modernizar o comércio, levar de novo o eléctrico até à estação da CP, ou mesmo à Vila Velha, porque não? É urgente a construção de um grande parque subterrâneo na Portela de Sintra, com ligação inferior à Estefânia e repensar um novo figurino para a Heliodoro Salgado, que,na minha opinião, se deve manter como zona pedonal atravessada apenas pela linha do eléctrico. Já pensaram como seria muito mais fácil retirar uma boa parte do trânsito da Vila Velha se os visitantes que estacionassem na Portela tivessem um acesso fácil ao eléctrico que os levasse até ao Centro Histórico?

O Bairro da Estefânia não pode esperar mais tempo para recuperar a beleza de outrora. É verdade que os tempos são outros e as realidades também o são e é impensável que tudo volte a ser igual ao que já foi. O que se pretende agora é que se devolva a esta zona a dignidade que já teve, e torná-la numa antecâmera decente de uma sala de visitas que, apesar de tudo, continua muito bela. Senhores autarcas e senhores proprietários sentem-se e conversem. Conjuguem esforços para encontrar uma solução aceitável para todos, é que, acreditem, é possível fazerem-se negócios lucrativos para ambas as partes, desde que uma delas não queira o lucro todo para si. Trata-se de um assunto de inegável interesse público e há certamente meios legais ao dispor da autarquia para promover a recuperação dos edifícios em ruínas. Mas era mais bonito que as obras fossem feitas de comum acordo. Que fique claro que não estou a sugerir a espolição do património aos seus legítimos donos, mas a apelar ao diálogo e à conjugação de vontades para que seja encontrada rapidamente uma solução para terminar de vez com a vergonha em que a Estefânia se transformou. Todos teremos a ganhar com isso…até os proprietários. Ou será que terá passado pela cabeça de alguém a ideia de inundar a Estefânia com betão? É verdade que já aqui se fez muito disparate, mas não acredito que se chegue a tanto.   
Permitam-me que faça duas perguntas muito directas: senhores autarcas estão satisfeitos com  o actual estado da Estefânia? E os senhores proprietários, gostam de ver o vosso património em ruínas a desprestigiar-vos e a envergonhar a nossa terra? Acredito que não gostem. Então porque esperam? Sentem-se á mesa, discutam, mas cheguem a um entendimento rápido, que seja do agrado de todas as partes e que beneficie Sintra. Afinal é isso que todos nós queremos… ou não é?


Guilherme Duarte

(Artigo publicado há tempos no jornal Cruz Alta mas que infelizmente se mantém actual). 

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