HÁ MEIO
SÉCULO ATRÁS
“Sintra – A Sala de Visitas
de Portugal”. Era assim, com esta frase, que, há meio
século atrás, a antiga Comissão de Turismo de Sintra promovia, nacional e
internacionalmente, a nossa terra como destino turístico de excelência. Sintra
era nesse tempo, tal como é ainda hoje, um destino de eleição, quer para o
turista estrangeiro que nos visita, quer para o português que gosta de viajar
no seu país. Sintra era, e é inquestionavelmente, a mais bela sala de visitas
de Portugal. Mas os tempos mudam, mudam as vontades e consequentemente mudam
também as realidades, e nem sempre essa mudança é benéfica. Em Sintra não o foi…infelizmente.
O que foi então que mudou em
Sintra? Que diferença existe entre a Sintra de há 50 anos atrás e a Sintra dos
nossos dias? A sala de visitas? Claro que não, porque essa continua a ser linda,
embora a “mobília” apresente já
graves sinais de degradação provocada pelo tempo e pelo desleixo. O que mudou então?
Mudou a antecamera que, antigamente, sem o luxo da sala de visitas, mas com sobriedade
e a dignidade que a magnificência do salão principal obrigava, era uma entrada simpática onde os visitantes eram
recebidos com fidalguia antes de se lhes escancarar as portas para o deslumbramento.
Bairro simples, sem monumentos e sem o passado histórico da Vila Velha, o
Bairro da Estefânia, de edificação mais recente, encantava pela beleza de
algumas das suas moradias e palacetes e pelos pequenos prédios de arquitectura singela
mas harmoniosa, então cuidadosamente limpos e bem conservados, Era agradável
ver os pequenos parques e jardins, também eles bem cuidados, e os gradeamentos de
ferro que ali abundavam e que lhe eram característicos. Os eléctricos a “chiar” nos carris e as fumegantes locomotivas
a vapor, a fumegar, atreladas às velhinhas carruagens do princípio do século
passado emprestavam-lhe tipicismo e colorido. A Estefânia nessa época tinha
côr, tinha vida, tinha encanto e fazia sentir já, por antecipação, aquele romantismo
que ao longo de séculos tem inspirado tantos poetas, romancistas, músicos e
pintores.
A grandiosidade do Monte da Lua coroado, lá
bem no alto, pelas muralhas do castelo, o Paço Real ali a dois passos, encimado
pelas chaminés gigantescas a imporem-se ao casario do velho burgo e o cenário luxuriante
do Vale da Raposa, contribuíam para oferecer ao turista, logo à entrada, o
clima romântico que ele aqui procurava e eram decisivos para fazer da Estefânia
dessa época, uma digna antecâmera de uma esplêndida e luxuosa sala de visitas. Mas
se a serra, o palácio e o Vale da Raposa ainda lá estão práticamente
inalteráveis porque é que a antecamera perdeu a dignidade? Respondo com outra
pergunta, será que uma sala mesmo que ostente nas suas paredes belos quadros, se
tiver a mobília a cair aos bocados consegue fascinar alguém? Penso que não.
50 ANOS
DEPOIS
Hoje o Bairro da Estefânia está
longe do esplendor do passado. Em nome do progresso fizeram-se alterações que, longe
de o beneficiar, contribuíram antes para a sua descaracterização. Destruiu-se a
pequena rotunda que existia no Largo Afonso de Albuquerque onde se destacava um
interessante candeeiro da época; foi destruído ainda um outro espaço ajardinado
que dividia as duas faixas de rodagem entre o Largo e a Correnteza, onde estava
instalado o chafariz dos peixes, hoje colocado junto do edifício da PT. Os gradeamentos
e jardins desapareceram, os edifícios deterioraram-se, as lojas encerraram, o
eléctrico deixou de circular e a Correnteza ficou menos atractiva sem muitos
dos bancos que ali havia, sem os arcos de
ferro e sem as roseiras que os enfeitavam. Hoje a Estefânia está muito longe de
ser aquela antecâmera digna da mais bela sala de visitas de Portugal, para ser apenas
um bairro decadente, em ruínas, feio e sujo, que decepciona o turista mais
tolerante e envergonha os sintrenses que nada podem fazer para inverter esta
situação. Mas será que não podem mesmo?
Quem entrar hoje em Sintra
pela porta da Estefânia certamente que se sentirá desiludido e frustrado, senão mesmo arrependido
por aqui ter vindo, ao deparar com tanto desleixo e tanta degradação. É
compreensível que, após as primeiras impressões, receie ter sido enganado pela
propaganda turística que lhe fez crer que Sintra seria um dos mais belos locais
do mundo, e afinal não passa de uma vila decadente e arruinada. Esta é de
certeza a primeira impressão que Sintra causa ao visitante, e acreditem que as
primeiras impressões são importantíssimas porque preparam o estado de espírito
com que ele irá encarar o que vem a seguir. Infelizmente em Sintra a margem de
tolerância esgota-se logo à entrada. A
Estefânia, tal como está é uma verdadeira vergonha que desprestigia os autarcas,
os proprietários dos imóveis e os sintrenses.
Uma requalificação falhada
na sua primeira fase, uma segunda fase mais conseguida, um ou outro prédio
recuperado é tudo aquilo que até agora tem sido feito para inverter a situação.
É pouco, muito pouco. É urgente uma intervenção de fundo em toda esta zona,
modernizando-a sem a descaracterizar. É imperioso recuperar todos os edifícios
deteriorados, revitalizar e modernizar o comércio, levar de novo o eléctrico
até à estação da CP, ou mesmo à Vila Velha, porque não? É urgente a construção
de um grande parque subterrâneo na Portela de Sintra, com ligação inferior à Estefânia
e repensar um novo figurino para a Heliodoro Salgado, que,na minha opinião, se
deve manter como zona pedonal atravessada apenas pela linha do eléctrico. Já
pensaram como seria muito mais fácil retirar uma boa parte do trânsito da Vila
Velha se os visitantes que estacionassem na Portela tivessem um acesso fácil ao
eléctrico que os levasse até ao Centro Histórico?
O Bairro da Estefânia não
pode esperar mais tempo para recuperar a beleza de outrora. É verdade que os
tempos são outros e as realidades também o são e é impensável que tudo volte a
ser igual ao que já foi. O que se pretende agora é que se devolva a esta zona a
dignidade que já teve, e torná-la numa antecâmera decente de uma sala de
visitas que, apesar de tudo, continua muito bela. Senhores autarcas e senhores
proprietários sentem-se e conversem. Conjuguem esforços para encontrar uma
solução aceitável para todos, é que, acreditem, é possível fazerem-se negócios
lucrativos para ambas as partes, desde que uma delas não queira o lucro todo
para si. Trata-se de um assunto de inegável interesse público e há certamente
meios legais ao dispor da autarquia para promover a recuperação dos edifícios
em ruínas. Mas era mais bonito que as obras fossem feitas de comum acordo. Que
fique claro que não estou a sugerir a espolição do património aos seus
legítimos donos, mas a apelar ao diálogo e à conjugação de vontades para que
seja encontrada rapidamente uma solução para terminar de vez com a vergonha em
que a Estefânia se transformou. Todos teremos a ganhar com isso…até os
proprietários. Ou será que terá passado pela cabeça de alguém a ideia de inundar
a Estefânia com betão? É verdade que já aqui se fez muito disparate, mas não
acredito que se chegue a tanto.
Permitam-me que faça duas
perguntas muito directas: senhores autarcas estão satisfeitos com o actual estado da Estefânia? E os senhores
proprietários, gostam de ver o vosso património em ruínas a desprestigiar-vos e
a envergonhar a nossa terra? Acredito que não gostem. Então porque esperam? Sentem-se
á mesa, discutam, mas cheguem a um entendimento rápido, que seja do agrado de
todas as partes e que beneficie Sintra. Afinal é isso que todos nós queremos…
ou não é?
Guilherme
Duarte
(Artigo publicado há tempos no jornal Cruz Alta mas que infelizmente se mantém actual).
(Artigo publicado há tempos no jornal Cruz Alta mas que infelizmente se mantém actual).
Sem comentários:
Enviar um comentário